A noite está
escura e a chama do amor queimando em meu peito. Fujo de minha casa enquanto
todos dormem. Há uma escada secreta, e oculta pela escuridão corro. Um véu
esconde meus olhos, enquanto tudo em volta dorme quieto como a morte.
A noite é quem
me guia, para fazer-me mais amada do que a lua. É ela que me une a meu amante,
aquele que ama transformando tudo em flores e beleza. O fogo me domina, a noite
é mística, percebo a magia... Vivo esse segredo, um sentimento além da visão
mortal. O que indica o caminho são os olhos do meu amado, uma luz que queima
tão profundamente em meu coração, um amor que se mostra tão brilhante quanto o diamante
e me leva onde ele espera. Um lugar onde ninguém mais pode chegar.
Nesse pequeno
canto do mundo, meu amor pode ser dele. Uma colina coberta por flores é o nosso
leito. Aqui onde o vento balança meu cabelo, e suas mãos lisas acariciam-me e torna
cada sensação única... Perco-me nele, para ele. Coloco minha face em seu peito
e meu sorriso é como a névoa da manhã que se tornou luz entre os lírios brancos.
Quanta claridade há no amor!
Porém, ouço ao
longe as ondas trovejantes da realidade que estão me chamando para casa. O mar
truculento está me chamando para a casa do cotidiano... É preciso voltar!
O dia chega e queima
os olhos com sua luz ofuscante, e por dentro a escuridão se aproxima, respiro o
ar amargo me sufocando com sua astúcia sutil. Quanta escuridão há na
indiferença!
Como uma imagem
fatal, vejo a tempestade pintando um cenário de raízes arrancadas, galhos
quebrados e folhas escurecidas e podres. Toda a beleza cheia de encantos volta
para a nudez e fica uma janela como um vidro que reflete os demônios da
solidão, um cansaço exterior como se Deus dormisse por um tempo, e através dos
galhos quebrados, fica os corvos do pensamento desolado; incansável, voando
para lá e para cá com sua garra cruel e sua garganta com fome, cheirando o
vento, agitando suas asas esfarrapadas...
Não quero olhar
para esse espaço amargo, quero lembrar o olhar amado. Quero olhar em meu
próprio coração e sentir a árvore sagrada do amor crescendo lá. Os ramos da
alegria começando a expandir e todas as flores trêmulas com a brisa suave que
carrega seu perfume, o carinho contido no seu riso... Quero novamente fugir e
correr através do sonho, e sentir na boca o gosto de morangos e cerejas, o
gosto do beijo de um anjo na primavera... Pois meu sonho, assim como um vinho, é feito de
uvas e há em mim essa embriaguez de devaneios...